Multilinguismo nas ruas de São Paulo

Por Leonardo Alves

São Paulo é um dos maiores e mais diversos centros urbanos do mundo, abrigando comunidades de diferentes origens que transformam a cidade em um verdadeiro mosaico linguístico. Essa diversidade se manifesta nas ruas, nos comércios e nos espaços públicos, onde o português convive com línguas como japonês, coreano, chinês, espanhol, inglês, árabe e hebraico, entre outras. O fenômeno do multilinguismo urbano pode ser analisado a partir das políticas linguísticas que moldam essa realidade e dos fluxos migratórios que contribuem para a formação de novas dinâmicas sociolinguísticas.

Figuras 1 e 2 – Escritos em coreano e chinês em comércios do bairro Bom Retiro

Fonte: Acervo pessoal (2025).

Multilinguismo e paisagem linguística

O conceito de paisagem linguística (Landry; Bourhis, 1997) se refere ao uso visível das línguas em espaços públicos, como em placas de rua, cartazes publicitários e letreiros comerciais. Em São Paulo, bairros como Liberdade, Bom Retiro e Bela Vista são exemplos emblemáticos dessa diversidade linguística. Na Liberdade, os letreiros em japonês refletem a forte presença da comunidade nipônica, enquanto no Bom Retiro, placas em coreano e em hebraico indicam a influência de diferentes fluxos migratórios ao longo do tempo. Já na Bela Vista, a forte presença de terminologias e empréstimos do inglês faz parte da paisagem em comércios e sinalizações urbanas.

Spolsky (2004) destaca que a paisagem linguística não é apenas um reflexo da presença de falantes de determinada língua, mas um indicativo de políticas linguísticas formais e informais. No caso de São Paulo, a existência de estabelecimentos comerciais com placas escritas em diferentes idiomas demonstra não apenas a relevância econômica dessas comunidades, mas também a manutenção e transmissão intergeracional de suas línguas de herança. Ainda, há o fator metropolitano: por se tratar de um centro urbano internacional, as placas nas ruas e em estações de metrô recebem traduções para auxiliar as diferentes nacionalidades que transitam pela cidade, com destaque ao inglês como língua intermediária.

Figuras 3 e 4 – Escritos em português/árabe em cartaz de filme na Av. Paulista e sinalização em português/inglês no metrô

Fonte: Acervo pessoal (2025).

Fluxos migratórios e a diversidade linguística

O multilinguismo de São Paulo também está diretamente ligado às diferentes ondas migratórias que marcaram a história da cidade. No final do século XIX e início do século XX, imigrantes italianos e japoneses começaram a se estabelecer, seguidos por portugueses, alemães e árabes. A partir da década de 1960, a cidade recebeu um grande contingente de imigrantes coreanos e chineses, que se radicaram principalmente no Bom Retiro e na região central da Liberdade. Mais recentemente, comunidades bolivianas, haitianas e venezuelanas passaram a ocupar espaços significativos no tecido social paulistano.

Fishman (1991) argumenta que a vitalidade de uma língua minoritária depende de fatores diversos, como o número de falantes, a transmissão intergeracional e a presença de espaços sociais onde a língua possa ser utilizada. Em São Paulo, escolas bilíngues, igrejas, associações culturais e estabelecimentos comerciais desempenham um papel fundamental na manutenção das línguas de imigração, permitindo que esses idiomas continuem a ser falados e transmitidos às novas gerações. Vale destacar, também, a política linguística de cooficialização de idiomas a nível municipal, que já contribuiu para que línguas de imigração como o hunsrückisch, o platt, o pomerano, entre outras línguas da imigração alemã, e o talian, da imigração italiana, recebessem o status de línguas brasileiras de imigração, reconhecidas como patrimônio imaterial pelo Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).

Figuras 5 e 6 – Escritos em italiano em pizzaria no bairro Bela Vista e bilíngue inglês/coreano no bairro Bom Retiro

Fonte: Acervo pessoal (2025).

Figuras 7 e 8 – Escritos em japonês em banco no bairro Liberdade e em espanhol em placa solene na Catedral Metropolitana

Fonte: Acervo pessoal (2025).

Políticas linguísticas e a gestão do multilinguismo

De forma resumida, as políticas linguísticas podem ser entendidas em três níveis: status, corpus e aquisição (Cooper, 1989). A política de status se refere ao reconhecimento oficial de uma língua, enquanto a política de corpus envolve o desenvolvimento de normas gramaticais e lexicais. Já a política de aquisição diz respeito às iniciativas para ensinar e preservar uma língua.

As políticas linguísticas se desenvolvem de maneira distinta em cada contexto nacional, influenciadas por fatores históricos, sociais e políticos. Alguns países adotam políticas explícitas e centralizadas, enquanto outros seguem abordagens mais flexíveis e descentralizadas. Além disso, a interação entre os três níveis mencionados pode variar conforme as necessidades locais e os grupos linguísticos envolvidos. No entanto, nosso foco não está em uma análise aprofundada dessas variações, mas em uma diferenciação para que seja possível compreender como os três níveis se relacionam com a cidade mais populosa do Brasil.

Em São Paulo, a política linguística predominante é a de não intervenção direta no uso das línguas de imigração, seguindo uma lógica de mercado linguístico (Bourdieu, 1991; Oliveira, 2010), segundo a qual a valorização de um idioma depende de seu prestígio e de sua utilidade econômica. Entretanto, iniciativas educacionais demonstram um reconhecimento crescente da importância do multilinguismo, tanto na rede municipal quanto na estadual. Na cidade de São Paulo, os Centros de Estudos de Línguas Paulistanos (CELPs) oferecem cursos gratuitos de alemão, coreano, chinês, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês para estudantes da rede municipal, abrangendo desde o 4º ano do ensino fundamental até a 3ª série do ensino médio. A iniciativa, conduzida pela Secretaria Municipal de Educação (SME) em parceria com a Coordenadoria dos Centros Educacionais Unificados (COCEU), busca ampliar o repertório linguístico dos alunos e facilitar sua inserção no mercado de trabalho e em programas de intercâmbio. Além disso, há a previsão de inclusão de cursos de Libras e de português para crianças migrantes ainda em 2025.

Paralelamente, o governo de São Paulo mantém o programa dos Centros de Estudo de Línguas (CEL), que disponibiliza aulas gratuitas de espanhol, alemão, japonês, inglês, francês, italiano, mandarim e Libras em 167 unidades espalhadas pelo estado. O programa atende alunos da rede estadual e de redes municipais conveniadas, oferecendo, também, cursos de português para estudantes estrangeiros a partir do 6º ano do ensino fundamental. Essa política linguística educacional busca não só a proficiência em idiomas, mas também a ampliação das oportunidades acadêmicas e profissionais dos alunos, preparando-os para contextos globais e promovendo a valorização do multilinguismo na educação pública.

Shohamy (2006) argumenta que a política linguística pode ser um instrumento de controle social, determinando quais línguas são valorizadas e quais são marginalizadas. No Brasil, o português é a única língua oficial[1], o que limita o reconhecimento formal de outras línguas. No entanto, a realidade social de São Paulo desafia essa monolinguicidade oficial com um cenário urbano no qual diferentes idiomas coexistem e são amplamente utilizados em espaços públicos e comerciais. A política linguística vai além de simples declarações formais, sendo implementada por meio de mecanismos de imposição e práticas de exclusão. Shohamy (2006) critica a tendência dos formuladores de políticas de tratar a língua como um sistema fixo e fechado, já que, na realidade, ela é dinâmica, pessoal e aberta, ultrapassando fronteiras rígidas e atuando como meio de expressão e de identidade cultural.

Figuras 9 e 10 – Escrito trilíngue em inglês/português/japonês em comércio no bairro Liberdade e em coreano no bairro Bom Retiro

Fonte: Acervo pessoal (2025).

Multilinguismo e identidade cultural

A presença de múltiplas línguas em São Paulo vai além da função comunicativa, tornando-se um elemento essencial na construção da identidade cultural das comunidades de imigrantes. Conforme discute Calvet (2005), as línguas não existem de maneira isolada, mas se organizam em um sistema hierárquico de línguas hipercentrais, supracentrais, centrais e periféricas definido pelas relações de poder entre seus falantes. No contexto paulistano, o português opera como a língua hipercentral, enquanto o inglês opera como supracentral e o espanhol, o hebraico, o japonês, o coreano e o chinês ocupam posições centrais devido ao tamanho e à influência de suas comunidades. Já línguas de grupos menores, como o guarani ou o crioulo haitiano, permanecem na periferia do sistema, com menor visibilidade pública. Essa dinâmica mostra como o status de uma língua está diretamente ligado às condições sociopolíticas que determinam sua presença na paisagem urbana e sua função como marcador de pertencimento cultural.

Por outro lado, o multilinguismo também gera desafios, especialmente no que diz respeito ao acesso a serviços públicos e à inclusão social de falantes de línguas minoritárias. A falta de intérpretes em hospitais e delegacias, por exemplo, pode dificultar o atendimento a imigrantes que ainda não dominam o português. Nesse sentido, políticas de inclusão linguística são fundamentais para garantir a plena participação dessas comunidades na sociedade.

Figuras 11 e 12 – Escritos em japonês em monumento do bairro Liberdade e em coreano em igreja do bairro Bom Retiro

Fonte: Acervo pessoal (2025).

Figura 13 – Escritos em hebraico em uma sinagoga e em coreano em uma loja no bairro Bom Retiro

Fonte: Acervo pessoal (2025).

Conclusão

A paisagem linguística de São Paulo reflete a complexidade de sua diversidade cultural e a maneira como diferentes grupos migrantes se organizam e interagem na cidade. O português, língua oficial e hegemônica, está presente em todos os âmbitos sociais, funcionando como o principal veículo de comunicação e integração. No entanto, o inglês, atuando como interlíngua, surge em contextos turísticos e informativos, especialmente em sinalizações de metrôs, praças e placas públicas, evidenciando a necessidade de um código acessível para falantes de diferentes línguas.

Além dessas línguas, a presença de coreano, hebraico e espanhol em templos, sinagogas e igrejas demonstra como a paisagem linguística da cidade é atravessada por redes de pertencimento religioso e cultural. Esses espaços de fé funcionam como pontos de encontro para comunidades de imigrantes, nos quais a língua desempenha um papel essencial na manutenção das tradições e na criação de laços de solidariedade. As comunidades japonesa, chinesa, coreana e judaico-israelense, por exemplo, são facilmente reconhecíveis na paisagem urbana por meio de estabelecimentos comerciais, escolas e centros culturais que preservam suas línguas e identidades.

Por outro lado, há grupos migrantes que, apesar de sua expressiva presença, são silenciados ou apagados da paisagem linguística da cidade. Bolivianos, venezuelanos e haitianos, por exemplo, raramente encontram suas línguas representadas em espaços públicos, o que reflete uma invisibilização social. Ainda que formem comunidades significativas, seu reconhecimento na paisagem urbana é limitado, evidenciando desigualdades na forma como diferentes grupos são integrados ao imaginário da cidade.

A mobilidade humana traz consigo um fluxo contínuo de línguas, costumes e tradições que se (re)organizam nos novos contextos de destino. Migrantes não apenas carregam suas identidades culturais, mas também transformam os espaços que ocupam, adaptando-se a novas realidades sem abrir mão de sua herança linguística. São Paulo, com sua história de imigração e diversidade, continua a ser um palco dinâmico de encontros e negociações entre línguas onde a paisagem linguística se constrói e se reconfigura continuamente, refletindo as vozes e silenciamentos de seus habitantes. Acima de tudo, São Paulo desafia a visão monolíngue de um país como o Brasil.


[1] Desde 2002, pela Lei nº 10.436, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão das comunidades surdas no Brasil, não substituindo a modalidade escrita da língua portuguesa.

Referências

BOURDIEU, Pierre. Language and Symbolic Power. Cambridge: Harvard University Press, 1991.

CALVET, Louis-Jean. Linguística e Colonialismo: breve tratado de glotofagia. 2. ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2005.

COOPER, Robert L. Language Planning and Social Change. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.

FISHMAN, Joshua A. Reversing Language Shift: theoretical and empirical foundations of assistance to threatened languages. Clevedon: Multilingual Matters, 1991.

LANDRY, Rodrigue; BOURHIS, Richard Y. Linguistic Landscape and Ethnolinguistic Vitality: an empirical study. Journal of Language and Social Psychology, v. 16, n. 1, p. 23-49, 1997.

OLIVEIRA, Gilvan Müller de. O Lugar das Línguas: A América do Sul e os mercados linguísticos na Nova Economia. Synergies Brésil, n° spécial 1, p. 21-30, 2010.

SÃO PAULO (Estado). Centro de Estudo de Línguas. [s.d]. Disponível em: https://www.educacao.sp.gov.br/centro-estudo-linguas. Acesso em: 11 fev. 2025.

SÃO PAULO (Município). Centro de Estudos de Línguas Paulistano (CELP). [s.d.]. Disponível em: https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/celp/. Acesso em: 11 fev. 2025.

SHOHAMY, Elana. Language Policy: hidden agendas and new approaches. New York: Routledge, 2006.

SPOLSKY, Bernard. Language Policy. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

Leonardo Alves

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina na linha de pesquisa de Linguagem, Política e Sociedade. Graduado em Relações Internacionais pela Universidade de Santa Cruz do Sul.

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