Vozes do Multilinguismo: Prof. Ângelo Cristóvão

Por Simone Schwambach e Emanuelli Oliveira

O multilinguismo é um fenômeno complexo, atravessado por dinâmicas históricas, políticas e sociais que determinam o status, a circulação e a valorização das línguas em diferentes contextos. Nesta série de entrevistas, membros do GT Geopolíticas do Multilinguismo se revezam para dialogar com especialistas de diversas áreas, explorando as interseções do multilinguismo com tradução, direitos linguísticos, mediação intercultural, migrações, internacionalização, informação e comunicação, ensino de línguas, entre outros temas.

O objetivo é reunir diferentes perspectivas sobre as políticas linguísticas, os desafios da preservação e revitalização de línguas, as relações entre idiomas em espaços de fronteira e a influência de fatores geopolíticos na organização do multilinguismo. A partir dessas conversas, buscamos ampliar o debate e fomentar reflexões críticas sobre os modos como as línguas circulam e se transformam no mundo contemporâneo.

Nesta edição, entrevistamos o professor Ângelo Cristóvão, Licenciado em Psicologia pela Universidade de Santiago (1988), especializou-se em Psicologia Social. Empresário de profissão, é promotor e organizador de diversas iniciativas culturais desde 1983. Publicou diversos artigos na área da sociolinguística e da história das línguas. Faz parte do grupo fundador da Academia Galega da Língua Portuguesa (2008). Coordenador da sua Comissão de Relações Internacionais, tem realizado um papel de promotor da candidatura da Galiza à CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em coordenação com o Governo Autónomo da Galiza. Prémio Personalidade Lusófona do MIL – Movimento Internacional Lusófono do ano 2013.

Fonte: Ângelo Cristóvão.

A Academia, constituída em 2008, mantém várias comissões de trabalho. Por ordem de criação são as seguintes: A) Comissão de Lexicologia e Lexicografia que tem publicado, entre outros contributos, o Vocabulário Ortográfico da Galiza para ser integrado no Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (154000 entradas), sob a responsabilidade do nosso académico Carlos Durão (falecido em 2023). Este contributo foi realizado na sequência da participação de uma Delegação de Observadores da Galiza nas reuniões do Acordo Ortográfico de Lisboa, assinado a 12 de outubro de 1990 na Academia das Ciências. Também tem responsabilidade no mantimento do Diciónario Estraviz online. Organizou também vários seminários de lexicologia. B) Comissão Executiva e de Relações Institucionais. Desde 2010 promoveu, junto de outras entidades da sociedade civil, a aprovação de mudanças legislativas para a incorporação de uma visão pró-lusófona nas instituições públicas. Assim, em 2014 o Parlamento autónomo da Galiza aprovou por unanimidade a “Lei para o Aproveitamento da Língua Portuguesa e Vínculos com a Lusofonia”, também denominada “Lei Paz-Andrade”. O Boletim Oficial da Galiza começou a publicar-se com uma tradução ao Português. C) Relações Internacionais. Esta comissão conseguiu integrar a AGLP como observadora consultiva da CPLP em 2018. Desde 2016 vinha realizando gestões diplomáticas discretas, em colaboração com o Governo autónomo galego, para a integração da Galiza na CPLP em qualidade de Associada, o que não se verificou porque o Governo espanhol decidiu assumir esta iniciativa. O Reino da Espanha foi admitido nesse organismo internacional em 2021. D) Publicações. Esta comissão mantém um Boletim anual, além de anexos do Boletim, uma coleção de Clássicos da Galiza e edições variadas. A AGLP organizou até à data 3 conferências internacionais em colaboração com a Comissão de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa, dos Observadores Consultivos da CPLP. Todas as atividades são emitidas online e registadas em vídeos, acessíveis na página www.academiagalega.org.

Além das integradas na Comissão Temática de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa, dos Observadores Consultivos da CPLP, existe um relacionamento com a Academia das Ciências de Lisboa (ACL), com a qual tem assinado um protocolo de colaboração. Três dos membros da AGLP fazem parte da ACL como sócios correspondentes. Também existem entendimentos com a DPG – Associação de Docentes de Português na Galiza; a AGAL – Associação Galega da Língua; o Observatório da Lusofonia (Lisboa); DTS – Associação Desperta do teu Sono, e o IGADI – Instituto de Análise e Documentação Internacional. Esporadicamente há colaborações com câmaras municipais, como a de Santiago de Compostela, Ourense, Bandeira ou a Deputação provincial da Corunha. Mantém também relacionamento institucional permanente com a Secretaria de Língua e a Direção Geral de Relações Exteriores e com a União Europeia, do Governo autónomo da Galiza (Xunta de Galicia), que têm patrocinado diversos eventos organizados pela AGLP.

A questione della língua na Galiza é um debate que se mantém intenso desde fins da década de 1970. Do nosso ponto de vista não existe uma língua galega diferente da portuguesa. Existe, sim, uma tentativa de desagregação, de separação a respeito do português. Também se regista no Brasil uma tendência desagregadora, só que não tem o sucesso suficiente. Na Galiza, as estatísticas das últimas quatro décadas de políticas públicas contra a unidade da língua, não deixam lugar a dúvidas sobre os efeitos negativos que produziu. Outras línguas existentes no mesmo território, como as de imigração, recebem um tratamento escasso no sistema de ensino, ou são ignoradas. O seu aprendizado não é o resultado de uma política sistematizada. O multilinguismo institucional só contempla o espanhol, inglês e galego (na versão castelhanizada) e algumas outras línguas europeias. O português, quer dizer, a norma europeia do português, começa a crescer, contudo de forma muito lenta.

Em primeiro lugar deve assinalar-se que há duas “raias”. A galego-portuguesa, em continuidade secular de povoamento, de trocas económicas, de identidade cultural e linguística, dado que ambos os lados da fronteira fazem parte do antigo Reino da Gallaecia. Atualmente mais do 50% do trânsito de veículos e das trocas económicas entre os estados espanhol e português é realizado através desta “raia” galego-portuguesa. Todos os políticos galegos, nomeadamente os que fazem parte do Governo regional, afirmam assistir a reuniões em Portugal sem necessidade de tradução. Nos restantes quilómetros de fronteira luso-espanhola não há continuidade de povoamento. Também não é novidade: foi sempre assim. Contudo a região autónoma da Extremadura espanhola, onde existem comunidades antigamente reconhecidas como território de Portugal (Olivença), mantém uma política de ensino do português, contabilizando atualmente mais de 50000 alunos. Na Galiza, por contra, não vai além dos 5000.  Portanto esse multilinguismo, que neste caso seria bilinguismo português – espanhol, depende muito das políticas das regiões autónomas.

A aprovação da Lei Paz-Andrade no Parlamento da Galiza, a Criação do Observatório da Lusofonia Valentim Paz-Andrade, em abril de 2025, como órgão para a assessoria do Governo regional; a mudança na conceção da língua da Galiza, na qual já se integram políticas de ensino do português; a entrada da Academia na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em qualidade de observadora consultiva. Noutra ordem de questões, a Academia dispõe de uma biblioteca com 10000 volumes e um arquivo digital com diversa documentação original dos Acordos Ortográficos de 1986 e 1990. Está organizando atualmente três eventos. 4 de outubro, Dia da Academia. 9 de outubro, a IV Conferência Internacional em colaboração com a Comissão Temática de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa, dos Observadores Consultivos da CPLP. E 14 de novembro, Encontro Internacional de homenagem ao professor João Malaca Casteleiro, no quadro da Cátedra Carvalho Calero da Universidade de Santiago.

As dificuldades continuam a vir por três caminhos: a) Sectores culturais e institucionais do separatismo linguístico galego, tradicionalmente beneficiários do apoio institucional; b) Escassa vontade política para a aplicação da legislação a favor da difusão da língua portuguesa; c) Nula atividade da representação espanhola na CPLP como observadora associada, o que dá um sinal pouco estimulante no plano internacional. Assim, as entidades da sociedade civil carecemos do apoio diplomático para avançar na cooperação e desenvolvimento de projetos.

A AGLP mantém como critério básico o Acordo Ortográfico de 1990. Incorporou também um contributo lexical específico de aproximadamente 800 verbetes, no Vocabulário Ortográfico da Academia das Ciências de Lisboa. O critério foi incluir vocábulos previamente inexistentes no Dicionário da ACL do ano 2000. Portanto, a principal tarefa da Academia é estudar, fixar e enriquecer a Norma Galega do Português, como variedade nacional do Português europeu. Além disto, na sua sede mantém uma biblioteca lusófona de mais de 10000 volumes, incluindo a maior parte dos dicionários e gramáticas da nossa língua, publicados desde a década de 1970. Pode consultar-se os títulos no apartado correspondente da página www.academiagalega.org.

Acho que a função da AGLP pode ser fornecer um espaço neutral onde possam ser criados entendimentos e novas políticas em igualdade dos participantes, na linha do multilateralismo, sem dependência de compromissos inassumíveis ou dependências indesejadas. O Governo autónomo tem-se mostrado disponível para avançar nesta linha. De facto é o patrocinador das conferências que organizamos em colaboração com a Comissão Temática de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa.

Uma linha de atuação possível é a coexistência de normas dentro de uma mesma língua, e como essa diglossia interna pode ser gerida em comunidades linguísticas variadas. O caso do espanhol oferece diversos exemplos, como também o português. Um dos espaços em que será preciso elaborar novos protocolos para uma correta gestão será, talvez, o ensino.

Simone Schwambach

Professora auxiliar do Departamento de Linguística e Estudos Orientais da Universidade Complutense de Madri (UCM). É licenciada em Letras pela Universidade de Caxias do Sul e tem um mestrado em ensino de português para hispanófonos. Atualmente é doutoranda do programa de Linguística Teórica e Aplicada da UCM em cotutela com a UFSC.

Emanuelli Oliveira

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina. Licenciada e bacharela em Letras – Língua Francesa e Literaturas e Graduada em Secretariado Executivo pela Universidade Federal de Santa Catarina.

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