Por Emanuelli Oliveira e Taisa Machado
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A Zâmbia, localizada na África Austral, tem cerca de 18 milhões de habitantes. O país conquistou sua independência do Reino Unido em 1964, momento em que adotou o inglês como língua oficial e reconheceu também sete línguas indígenas. No entanto, ainda existem dificuldades de acesso a serviços básicos nessas línguas, bem como nas outras línguas indígenas faladas no país, o que resulta em um conflito linguístico. Este artigo analisa um planejamento linguístico possível com base nas observações do linguista e pesquisador francês Louis-Jean Calvet (2007), que explora a função das línguas nos contextos legal, educacional e de serviços.
A Zâmbia é um país multilíngue, tendo o inglês como língua oficial, mas reconhecendo sete línguas indígenas. Após a sua independência, o inglês foi adotado como língua oficial com o intuito de unificar o país, mas seu uso predominante na educação e nos serviços resulta em um conflito linguístico que ocorre quando há tensões ou disputas em torno do uso, do status ou da promoção de diferentes línguas dentro de uma sociedade ou entre países. Isso se evidencia no contexto das línguas zambianas, quando, por exemplo, uma língua dominante, no caso o inglês, marginaliza outras línguas locais ou minoritárias, gerando questões de identidade, acesso a direitos e inclusão. A falta de estratégias adequadas para o ensino multilíngue afeta negativamente o aprendizado dos alunos e, por consequência, limita o acesso da população aos seus direitos e à participação plena na sociedade. Embora o inglês seja a língua oficial e de instrução, a maioria da população tem línguas locais, como o bemba, nyanja e tonga, como línguas maternas. Essa desconexão entre a língua de instrução e as línguas faladas em casa resulta em desafios de aprendizado para muitos alunos, especialmente nas primeiras fases da escolarização. Pensando nisso, as políticas linguísticas na Zâmbia buscam não apenas garantir o status oficial de várias línguas locais, mas também promover sua presença efetiva em setores-chave, como educação, justiça e saúde.
Um estudo feito em 2023 por Kenzie Steiner, pesquisadora da Universidade de Nebraska-Lincoln nos Estados Unidos, analisou a diversidade linguística nas regiões leste e sul da Zâmbia. A pesquisa envolveu 781 alunos, pais e professores e mostrou que, enquanto o inglês, considerado uma língua de prestígio, é a língua de instrução, muitos falam Nyanja e Tonga em casa. A pesquisa destacou o conflito entre o inglês e as línguas indígenas, evidenciando que a dificuldade no uso do inglês está ligada à alta taxa de evasão escolar e aos altos índices de reprovação no país. Apesar de haver políticas para a inclusão de línguas locais e da Língua de Sinais Zambiana, há desafios na formação de professores para essa demanda, assim como na alfabetização de surdos. Portanto, um investimento em educação multilíngue é visto como essencial para melhorar a situação linguística atual.
As línguas nativas da Zâmbia possuem pouca infraestrutura linguística, com manuais e dicionários raramente disponíveis de forma online. A maioria dos documentos oficiais é escrita em inglês, embora existam algumas breves opções em línguas nativas, como bemba e nyanja. Materiais para línguas como tonga, lozi, luvale e kaonde são bastante escassos. Essa disponibilidade limitada pode ser atribuída ao baixo acesso à internet na Zâmbia (cerca de 21% da população, segundo a pesquisa World Data, 2022). O uso contínuo de uma língua em funções específicas mantém sua relevância localmente. Sites privados, como Kitwe Online e StoryBooks Zambia, ajudam na tradução de línguas zambianas, mas a maioria dos documentos ainda permanece em inglês. Assim, é possível perceber que a digitalização e a acessibilidade são desafios contínuos para as línguas zambianas.
O conceito de ambiente linguístico de Calvet (2007) se refere a presença das línguas no cotidiano, como em placas de trânsito e em mídias de comunicação. Na Zâmbia, a maioria das mídias e sinalizações públicas estão em inglês, com poucas línguas locais sendo representadas. A maioria dos 42 canais de TV e das 120 estações de rádio operam em inglês. Autores e cineastas zambianos produzem em línguas locais, mas a circulação é limitada, tendo em vista o acesso precário da população. Programas como o de Alfabetização para Adultos e o Plano Estratégico de Saúde 2022-2026 abordam esses desafios, focando na inclusão linguística. A Zâmbia enfrenta, portanto, desafios na valorização e preservação de suas línguas locais, precisando de mais estratégias para equilibrar o uso do inglês com as línguas nativas.
Calvet (2007), em seu livro “As Políticas Linguísticas”, explica que o planejamento linguístico envolve a análise de uma situação inicial (S1) de uso da língua em um determinado contexto social. Quando essa situação é considerada insatisfatória, define-se uma situação desejada (S2) que se quer alcançar. A diferença entre a situação inicial (S1) e a situação desejada (S2) é o foco das intervenções de política linguística, e o planejamento linguístico trata exatamente de como promover a mudança de S1 para S2.
Na Zâmbia, a S1 é um ambiente de diglossia, ou seja, um contexto em que duas ou mais línguas, ou duas variedades de uma mesma língua, coexistem em uma comunidade, mas com usos sociais diferentes. No caso da Zâmbia, existe o predomínio do inglês nos documentos oficiais e nas mídias e pouco espaço para línguas locais. A proposta para uma S2 que contemple melhor o multilinguismo do país sem excluir a presença do inglês, cuja manutenção é considerada importante, seria equiparar o status das línguas zambianas com a língua inglesa, promovendo-as em funções e ambientes específicos.
Assim, compreende-se que, na Zâmbia, a falta de recursos destinados para as línguas maternas afeta os direitos básicos de seus falantes e a preservação dessas línguas. Uma abordagem equilibrada de políticas linguísticas é necessária para garantir a convivência entre diferentes línguas e promover a segurança e os direitos dos cidadãos zambianos, além de manter vivas as línguas nacionais. O planejamento linguístico pensado para promover uma convivência harmoniosa entre as diversas línguas do país foca na criação de políticas nacionais para línguas oficiais com intervenções jurídicas em leis de educação e de comunicação.
Com base em estudos de intercompreensão das línguas Bantu, são recomendadas pesquisas para facilitar as políticas linguísticas. As iniciativas incluem: promover intercompreensão; desenvolver campanhas de transmissão intergeracional; expandir funções das línguas; equipar o léxico e produzir normatização; e capacitar professores, tanto para as línguas nacionais quanto para a Língua de Sinais Zambiana. Logo, essas ações visam fortalecer o papel das línguas locais, valorizando-as como ferramentas de educação, comunicação e identidade cultural. Além disso, ao promover a intercompreensão e a transmissão intergeracional, busca-se assegurar que as línguas locais permaneçam vivas e ativas entre as novas gerações, ampliando sua presença nos âmbitos formal e informal.
Referências
CALVET, Louis-Jean. As políticas linguísticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
KITWE ONLINE. Languages. Disponível em: https://kitweonline.com/languages. Acesso em: 03 de agosto de 2024.
Steiner, Kenzie. Multilingual Zambia – Language Issues in Primary/Secondary Schools of the Eastern/Southern Provinces. NUTR/GLST 498b: Global Research Experiences in Nutrition & Health, 2023.
STORYBOOKS ZAMBIA. Storybooks Zambia. Disponível em: https://storybookszambia.net/. Acesso em: 03 de agosto de 2024.
ZÂMBIA. Constituição da Zâmbia 1991 (revisada em 2016). Constituição da República da Zâmbia. Lusaka: Governo da Zâmbia, 2016.

Emanuelli Oliveira
Licenciada e bacharela em Letras – Língua Francesa e Literaturas pela Universidade Federal de Santa Catarina; graduanda do último ano de Secretariado Executivo na mesma universidade.

Taisa Machado
Formou-se bacharela em Letras – Língua Portuguesa e Literaturas em 2024, com mérito estudantil, pela Universidade Federal de Santa Catarina.